sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crentes e Carnaval



Alomara Andrade e Bruno Barreira
Sai ano, entra ano e a polêmica continua: qual é o lugar do cristão durante o Carnaval? Ele deve sair para retiros espirituais ou para evangelismo nas ruas? Aliás, a controvérsia já começa na origem da chamada “maior festa popular brasileira” – que é praticada em outros países em formatos diferentes e com menor repercussão.
Apesar de inspirado no modelo francês (pelos desfiles, carros alegóricos), o Carnaval do Rio de Janeiro como é hoje se tornou o principal do mundo. Etimologicamente, o termo tem diversas definições, e uma delas é de origem latina – “carnelevarium” – que significa eliminação da carne. Culturalmente, as referências à festividade vêm da Antiguidade (4000 a.C. a 3500 a.C.), passa pelas festas pagãs romanas, é moldada pelo Renascentismo (séculos XIV a XVI) e acaba sendo adaptada em cada grupo social. No final, o que parecia ter sido criado para ser um período de purificação antes da “quaresma”, se tornou algo bem diferente... Deixando de lado as informações históricas, é impossível não perceber como esse período modifica a vida social e cultural do país, e ainda a espiritual.
Além dos tradicionais retiros espirituais, ainda praticados pela maioria das igrejas evangélicas, outras ações, nos últimos 20 anos, em especial o evangelismo, têm ganhado força gradativamente e quebrado alguns paradigmas. Se nos retiros os crentes buscam confraternização e consagração espiritual, fora deles estão dispostos a transmitir o Evangelho de diversas formas. Desde congressos a cultos de louvor até trabalhos sociais, como visitação a hospitais e atividades de rua, sobretudo onde o Carnaval é o foco das atenções, muitas igrejas têm impactado as avenidas do samba.
Em Salvador, a Comunidade Evangélica dos Artistas de Cristo trabalha intensamente semeando a Palavra de Deus em trios elétricos. Em Belo Horizonte, na Expominas, acontece a Cruzada de Fé (www.cruzadadefe.com.br), com a presença de pastores e cantores dos naipes de Oficina G3 e Pamela. No Rio de Janeiro, a Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul (pioneira em evangelização de impacto durante o Carnaval), o Projeto Vida Nova de Irajá, com o ousado bloco Cara de Leão, e a igreja Bola de Neve, já têm preparadas as suas estratégias. Neste ano, surge um detalhe curioso: a Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio, de Caxias, no Rio de Janeiro, vai “homenagear” os evangélicos em uma de suas alas (confira no box especial).

DEBAIXO DE ORAÇÃO
Uma das primeiras a “abrir caminho” foi a Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, que há mais de 19 anos deixou de fazer retiros espirituais nos cinco dias do Carnaval (que acontece em 2007 entre 16 e 20 de fevereiro). Durante a semana de “folia”, que contagia todo o país, a igreja promove a Conferência de Avivamento, um culto feito antes das concentrações para o evangelismo entre os foliões, que inclui oração, palestras e jejum. O pastor Marco Antônio Peixoto, responsável pelas atividades, não nega a importância do tradicional retiro. Ele diz que essa escolha permanece válida, pois é correto que evangélicos se retirem para buscar a Deus. Mas, no caso da Comunidade, os fiéis tomaram a decisão como um desafio evangelístico. “Fomos os pioneiros dessa estratégia e a realizamos com sinceridade, trabalho, jejum e oração. Reunimos mais de três mil pessoas desfilando ao som de um trio elétrico, cantando hinos de louvor, só que num ritmo mais alegre. A cada 100 metros, paramos e pregamos o Evangelho”, descreve.

Pastor Marco Antônio Peixoto, da Comunidade Internacional da Zona Sul, não nega a importância do tradicional retiro, mas prefere o evangelismo no Carnaval. A igreja tem um trabalho pioneiro em que mais de três mil pessoas desfilam ao som de um trio elétrico
Pastor Marco Antônio ressalta a seriedade do trabalho e diz que alguns chegam mesmo a pensar que tudo não passa de uma festa, mas quem pára e acompanha o evento logo percebe que a ministração provém de um evangelismo comprometido. “Durante muito tempo, a igreja ficou fechada dentro de quatro paredes. Devemos sair para as ruas e levar a mensagem de libertação. Muitas pessoas pensam que é oba-oba, mas não é. Trata-se de um trabalho realizado debaixo de muita oração”, afirma o pastor, ressaltando que na primeira epístola de João, capítulo 4, versículo 4, está escrito: “Maior é o que está em nós do que aquele que está no mundo”.
Outra igreja que tem se empenhado no evangelismo durante o Carnaval é o Projeto Vida Nova, comandada pelo apóstolo Ezequiel Teixeira. Há testemunhos de que durante o trabalho desenvolvido – a performance do bloco Cara de Leão tem feito a grande diferença –, muitas pessoas aceitam a Cristo e várias outras que estavam desviadas voltam a confessar o nome do Senhor. De acordo com o pastor Márcio Sorriso, que faz parte do ministério, acontecem até mesmo casos em que os foliões retiram as fantasias, deixam as máscaras caídas no chão e passam a seguir o grupo. De acordo com os organizadores, o preparo do bloco Cara de Leão é feito com três meses de antecedência. O trabalho despertou a atenção de evangelistas do mundo inteiro e Ezequiel Teixeira chegou a apresentar um vídeo sobre a ação numa conferência realizada em Washington (EUA). Atualmente, cerca de duas mil pessoas participam do bloco. Só o corpo da bateria é composto por mais de trezentas pessoas.
No site do Projeto Vida Nova (www.projetovidanova.com.br) existe uma página com fotos dos ensaios e vídeo com mais explicações sobre o evento. O apóstolo Teixeira afirma que a campanha não se trata apenas de batuque. “É um evangelismo estratégico de Carnaval. Saímos às ruas declarando que Jesus não oferece apenas quatro dias de alegria, mas uma vida inteira. Não uma falsa alegria, mas uma alegria verdadeira. O livro de Provérbios 11.11 diz que pela bênção dos sinceros a cidade será exaltada, mas pela boca dos ímpios será derribada. Nesses dias, estaremos abençoando, como Igreja, a nossa cidade, abençoando a vida do nosso povo”, explica, lembrando que nos ensaios de bateria, por exemplo, há também muita oração, não apenas batucadas.
A igreja Bola de Neve do Rio de Janeiro é um exemplo de que também aderiu ao movimento. O pastor Gilson Mastrorosa, responsável pelo ministério durante o Carnaval, adianta que, para este ano, está organizando um trio elétrico que deve atuar nas cidades do Rio e em Cabo Frio. Ele ressalta que a qualidade é a mesma de trios seculares: “Sempre estamos investindo nesse tipo de estratégia evangelística. Nosso objetivo é salvar almas e mostrar a diferença da salvação em nossas vidas, ou seja, que não precisamos mais do que a presença do Senhor para ficarmos bem”.

GRAÇA MULTIFORME
Embora esse modelo diferente de evangelização no período carnavalesco apresente uma adesão crescente e diferenciada a cada ano, a maioria das igrejas continua firme no propósito de fazer retiros para estudar a Bíblia e aproveitar o feriadão para investir na comunhão entre seus membros. Isso não significa que igrejas que optem por retiros sejam contra atividades alternativas de evangelismo. A principal razão para que igrejas prefiram essa ou aquela ação está no chamado ministerial específico de cada um. É a visão, por exemplo, do pastor Jaime Soares, da Assembléia de Deus de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. “Nossa igreja realiza retiro espiritual, mas não é contra essas estratégias de evangelismo. Entendo que cada um recebeu uma direção do Senhor para atuar. Portanto, se este é o direcionamento que realmente vem de Deus para essas igrejas, devemos respeitá-las. Meu único desejo é que o trabalho deles seja abençoado e que muitos frutos sejam colhidos para a glória e honra do Senhor”, analisa.
Da mesma forma pensa Pedro Litwinczuk, conhecido como pastor Pedrão, da Comunidade Batista do Rio. Ele declara que prefere o retiro, já que as igrejas podem atuar com empenho o ano inteiro, mas observa que, se esta foi a visão que tais ministérios receberam de Deus, os resultados serão positivos. “Acho que a igreja também deve ter seu momento para recarregar as energias. Até porque você pode evangelizar o ano todo com uma proposta preventiva, isto é, com a intenção de que as pessoas evitem participar dessas festas”, complementa.
Portanto, ore e decida: qual é o seu lugar no Carnaval? 

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